Por Amanda Stelitano e Carlos Ragazzo

Apesar de estar em operação há vários anos, a portabilidade de crédito é uma iniciativa que o Banco Central (BC) destacou como não tendo alcançado seu pleno potencial. A constatação de que apenas 6% dos brasileiros bancarizados tiveram alguma relação ou demonstraram interesse em iniciar o processo de portabilidade de crédito, mesmo em um contexto econômico de crescente endividamento e comprometimento da renda das famílias brasileiras com o pagamento de contas e dívidas, destaca que esse instrumento está subutilizado.

Apesar do potencial para aumentar a competitividade e a transparência no mercado de crédito, não há evidências de um impacto significativo nessas áreas. Entretanto, as causas apontam para um problema relacionado à baixa demanda da população, que pode ser atribuída tanto à falta de educação financeira quanto ao descontentamento com a burocracia envolvida. No entanto, é importante observar também o lado da oferta: a falta de diversidade nas modalidades incentivadas e lacunas regulatórias podem estar limitando o desenvolvimento da portabilidade de crédito no Brasil.

Portabilidade de crédito no Brasil: desafios na expansão e na diversificação

Os dados de 2022 mostram essa realidade de que o problema da portabilidade de crédito vai além do desconhecimento e descontentamento da população: somente 3% do total de crédito concedido para empréstimo foi portado e, além dessa baixa participação, a quase totalidade ficou concentrada apenas em duas modalidades: o crédito consignado e o crédito imobiliário.  

A falta de variedade nas modalidades de portabilidade é um forte indicador do potencial ainda não explorado desse instrumento e de seu impacto limitado na saúde financeira das famílias brasileiras. Isso se deve ao fato de que apenas uma parcela muito pequena e um público muito específico, que já estaria em condições de menor risco e, portanto, de melhores condições do que a média, faz uso desse instrumento a seu favor. Uma possível explicação para essa concentração é que as modalidades já selecionadas são de menor risco e oferecem garantias, o que aumenta o interesse das instituições em oferecer as melhores condições que, por sua vez, levariam à transferência do saldo.

Esse fenômeno pode ser identificado pela divulgação e oferta direcionada, especialmente no caso do crédito consignado. Dado que a maioria dos usuários desse serviço são aposentados, pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e servidores públicos, as estratégias de captação são direcionadas e concentradas nesse público específico, incentivando um maior conhecimento e interesse pela portabilidade, especialmente em relação a essa modalidade, em comparação com outras.

Dessa forma, as abordagens e ofertas limitadas e direcionadas por parte das instituições financeiras afetam a relação da demanda dos consumidores com a portabilidade de crédito, para além dos problemas listados em relação aos trâmites e falta de conhecimento do instrumento em si.

Barreiras regulatórias

A questão da concentração em poucas modalidades também pode estar relacionada a um problema mais amplo: a estrutura da política de portabilidade pode não ser atrativa o suficiente para as instituições financeiras. Duas lacunas regulatórias sugerem que este pode ser o caso: (i) a falta de um limite regulatório para a cobrança da Remuneração de Cessão de Obrigações (RCO) entre as instituições envolvidas no processo de transferência de dívida; e (ii) a vantagem concedida à instituição detentora da dívida original em relação à instituição proponente, em termos do poder de contraproposta, com o objetivo de reter o cliente em sua carteira.

No caso da RCO, a tarifa é cobrada pela instituição original para cobrir os custos de transferência da dívida para a outra instituição, na justificativa de garantir que os custos de risco original do cliente, valores de assistência e contrato e taxas de agentes intermediários no processo de transferência sejam cobertos pela instituição que vai ser a nova proprietária da dívida do cliente. O problema se dá quando não existe uma regulação ou normativo que defina um limite para essa cobrança, fortalecendo uma desigualdade entre bancos tradicionais que podem arcar com os custos e novos entrantes que, por muitas das vezes, não conseguem competir com o valor estabelecido, prejudicando a capacidade de ofertar uma proposta que de fato seja vantajosa aos clientes.

Na prática de contraproposta e negociação entre as instituições, pode haver um desequilíbrio de oportunidades entre a instituição original e a proponente. Isso ocorre porque, no momento do pedido de portabilidade, a instituição original é informada e tem a opção de aceitar a transferência ou fazer uma contraproposta ao cliente. No entanto, a instituição proponente não tem direito a uma contrarresposta e não tem acesso às condições oferecidas pela instituição original. Em outras palavras, devido à falta de transparência na informação, o poder de negociação da nova instituição é reduzido, diminuindo assim seu atrativo para a realização e oferta da portabilidade de crédito.

Desafios significativos, como os mencionados, podem limitar a capacidade da portabilidade de cumprir plenamente seus objetivos. No entanto, é importante destacar que identificar as lacunas existentes também cria oportunidade para que os reguladores intervenham para corrigi-las. A modernização das diretrizes pode ajudar a eliminar distorções e alinhar a política com outras inovações promovidas pelo Banco Central, com o intuito de reduzir as barreiras enfrentadas pelos consumidores. Vale destacar o papel do Open Finance: uma maior coordenação regulatória e prática com o ecossistema já em desenvolvimento pode elevar a portabilidade ao seu potencial subutilizado de melhorar a vida das famílias brasileiras. 

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