Janguiê Diniz

Educação brasileira e os entraves para um Nobel

Nos anos iniciais da formação escolar é que são plantadas as sementes da curiosidade, da criatividade e do pensamento crítico.

“O Brasil não terá um Prêmio Nobel nunca, por uma questão muito simples: o Prêmio Nobel começa a desenvolver sua teoria básica aos 24 anos. E, no Brasil, a média do egresso do doutorado é 36. Então, não vamos alcançar a possibilidade etária de ter um Prêmio Nobel a não ser por uma genialidade fora da curva”.

O alerta acima, proferido pelo meu amigo e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Educação (CNE), Luiz Roberto Liza Curi, durante o XVII Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular (CBESP), chama a atenção para três pontos que têm custado muito caro ao país: a baixa qualidade da educação básica, a perda de cérebros entre o ensino médio e a graduação e os reflexos dessa realidade na produção científica nacional.

Nos anos iniciais da formação escolar é que são plantadas as sementes da curiosidade, da criatividade e do pensamento crítico, elementos indispensáveis para a pesquisa científica de excelência. Além disso, é na infância e na adolescência que se formam os alicerces do conhecimento. Um estudante que não domina plenamente a leitura, a escrita e a matemática dificilmente conseguirá avançar com desenvoltura nas etapas seguintes da escolarização.

Os dados dos últimos censos educacionais são a prova incontestável disso: o país conta com mais de 47 milhões de crianças e adolescentes matriculados na educação básica, enquanto os graduandos não chegam a 10 milhões. Estamos falando de mais de 37 milhões de brasileiros que, mantido o cenário atual, terão seu percurso educacional interrompido após a conclusão do ensino médio. Isso, claro, se chegarem lá, já que a taxa de abandono escolar na etapa final da educação básica é bastante elevada.

Embora a escolarização básica tenha papel fundamental na trajetória escolar e acadêmica do indivíduo, é na educação superior que o contato com a ciência é intensificado (e onde um possível Prêmio Nobel pode surgir). Mas, os números são desalentadores. Entre as inúmeras explicações para esse triste fenômeno brasileiro, duas são preponderantes: uma parcela significativa ficará no meio do caminho por falta de condições financeiras, seja para arcar com as mensalidades, seja pela necessidade de trabalhar para ajudar no sustento da família. Outra parte por não se sentir suficientemente qualificada para avançar rumo à educação superior.

É inquestionável que esses dois grandes desafios exigem políticas públicas estruturantes e articuladas em múltiplas esferas. Precisamos garantir que nossas crianças sejam bem alimentadas, bem cuidadas e bem ensinadas. Ao mesmo tempo, é fundamental investir na formação superior, com destaque para programas de financiamento estudantil que atendam às necessidades da população que depende do apoio governamental para seguir com seus estudos.

Em outra frente, o Brasil necessita de programas que estimulem a curiosidade científica dos nossos graduandos. Falo de iniciativas como o Ciência Sem Fronteiras que, entre 2011 e 2017, promoveu a internacionalização, a inovação e a competitividade brasileira por meio do intercâmbio de estudantes de graduação e pós-graduação.

A ideia de que a genialidade científica surge de maneira espontânea e isolada é um mito. Grandes cientistas são, quase sempre, frutos de sistemas educacionais que incentivam a investigação e oferecem caminhos para o florescimento do talento. Países que acumulam prêmios Nobel, como Estados Unidos, Alemanha e Japão, têm em comum uma estrutura robusta de apoio à educação desde os primeiros anos de vida. Eles compreendem que a excelência científica começa na base.

A ciência brasileira já provou sua relevância em diversas ocasiões, como na produção de vacinas, no combate às epidemias e na conservação ambiental. Mas, para dar um salto de reconhecimento global, o Brasil precisa pensar a longo prazo. Isso significa olhar com mais seriedade para a base do sistema: a nossa educação. O Nobel pode até ser uma meta simbólica, mas o caminho para alcançá-lo passa, inevitavelmente, pelas salas de aula instaladas de Norte a Sul deste imenso país.

Inclusive, pode ser que a conquista de um Prêmio Nobel não resulte na comoção nacional vista com o primeiro Oscar. Contudo, seu significado é profundo e duradouro: representa o reconhecimento internacional da capacidade intelectual e científica de um país, a valorização do conhecimento como motor de transformação social e econômica, e o coroamento de um sistema educacional comprometido com a excelência desde os primeiros anos de vida escolar. Um Nobel não se ganha sozinho. Ele é, antes de tudo, o reflexo de uma nação que escolheu investir em educação, ciência e inovação como pilares do seu desenvolvimento.

Além disso, ainda que esse reconhecimento nunca venha a ser concedido ao Brasil, como provocou o ex-conselheiro Curi, os frutos de uma nação que se mobiliza em torno desse ideal serão inevitavelmente colhidos por todos, pois resultarão em um país mais justo, desenvolvido e com melhores condições de vida para seus cidadãos.


*Diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), secretário-executivo do Brasil Educação - Fórum Brasileiro da Educação Particular, fundador e controlador do grupo Ser Educacional, e presidente do Instituto Êxito de Empreendedorismo.