O novo marco regulatório da educação a distância (EAD) trouxe mudanças significativas na oferta da modalidade, com desdobramentos que vão além da definição de cargas mais robustas de presencialidade ou da proibição de cinco cursos nesse formato (Medicina, Direito, Enfermagem, Odontologia e Psicologia). Um aspecto ainda pouco debatido, mas determinante em um cenário onde a acessibilidade e a inclusão são tão relevantes quanto a qualidade, consiste no inevitável reajuste das mensalidades.
Não há dúvida de que a obrigatoriedade mínima de 20% de atividades presenciais e o limite de 70 alunos por tutor, por exemplo, resultarão em aumento dos custos para as instituições de educação superior (IES). Serão necessários investimentos em estrutura física, novas tecnologias e recursos humanos, despesas que imperiosamente serão compartilhadas com os estudantes.
Além de ir contra um dos principais atrativos da educação a distância, sua acessibilidade financeira, esse novo cenário esbarra em um entrave cuidadosamente construído ao longo dos últimos anos: a exclusão dos alunos da EAD das política pública de financiamento estudantil, a despeito do relevante papel desempenhado pelo formato para o fortalecimento da graduação no Brasil.
Atualmente, o país conta com duas políticas nesse sentido: o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Enquanto a primeira permite ao estudante pagar um percentual variável do valor das mensalidades após a conclusão do curso, a segunda oferece bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de educação superior. O total de contratos efetivados no Fies para alunos da educação a distância é igual a zero, pois há vedação explícita à modalidade.
Outro ponto que merece atenção, mas que até agora tem sido pouco debatido, é a inclusão dos cursos semipresenciais nas políticas públicas de acesso ao ensino superior. Apesar da criação formal do novo formato, ainda não há sinalização clara do governo em relação à sua elegibilidade nesses programas. A expectativa do setor privado é de que o valor das mensalidades desses cursos transite entre o praticado para as graduações presenciais e as formações a distância, a depender das especificidades estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de cada curso.
Portanto, é mais do que evidente que as mudanças regulatórias introduzidas pelo novo marco da educação a distância demandam uma reestruturação profunda e inclusiva nas políticas de acesso ao ensino superior. A elevação das mensalidades dos cursos EAD e a oferta do formato semipresencial devem afetar diretamente a população de menor renda, ou seja, aquela que mais necessita do apoio governamental para cursar uma graduação.
Não é novidade, mas vale ressaltar, que quanto menor a parcela da população com curso superior maiores são as desigualdades econômicas e sociais de uma nação. E esse é um panorama especialmente válido para o Brasil, como apontam estudos elaborados por entidades de referência global como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Aqui, a renda média de quem possui curso superior é mais que o dobro daquela obtida por quem concluiu apenas o ensino médio. Este único dado deveria ser mais do que suficiente para estimular os gestores públicos a investirem com seriedade em políticas de acesso à graduação (lembrando que mais de 80% das matrículas estão concentradas nas instituições privadas).
Em outra frente, uma eventual retração no número de matrículas pode gerar pressões políticas em um momento particularmente sensível: o ano eleitoral de 2026. Muito em breve, candidatos a cargos públicos terão de explicar perante toda a sociedade brasileira o risco de um “apagão educacional”. Em um país que já lida com baixa escolaridade e a falta de mão de obra qualificada, o tema poderá se tornar um dos pontos críticos do processo eleitoral, influenciando de forma especial (e decisiva) o eleitorado jovem.
A educação a distância tem desempenhado um papel crucial na democratização do ensino superior ao oferecer flexibilidade e acessibilidade para milhares de brasileiros que, por diversos motivos, não conseguem frequentar cursos presenciais. Trata-se de uma modalidade que se adapta às múltiplas realidades da população brasileira, ampliando o acesso à graduação de forma inclusiva e compatível com as exigências da vida cotidiana.
Diante desse cenário, é imperativo que o governo repense e atualize a política de financiamento estudantil. A inclusão dos formatos a distância e semipresencial no Fies é fundamental para garantir que a educação superior continue sendo um instrumento de inclusão e desenvolvimento socioeconômico para o Brasil, assim como a adesão dos cursos semipresenciais ao ProUni, que entendemos como algo que deve ser automático, tendo em vista que os cursos a distância já são contemplados pelo programa.
Em suma, o novo marco regulatório da EAD impõe desafios que vão além da nova formatação. Ele exige uma resposta urgente e articulada das políticas públicas de acesso ao nível terciário da educação. Somente assim será possível assegurar que o ensino superior no Brasil seja acessível, equitativo e alinhado às necessidades da sociedade contemporânea.
*Diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), secretário-executivo do Brasil Educação - Fórum Brasileiro da Educação Particular, fundador e controlador do grupo Ser Educacional, e presidente do Instituto Êxito de Empreendedorismo.